domingo, 30 de janeiro de 2011

DIREITO DO CONSUMIDOR

LEASING - RELAÇÃO DE CONSUMO




O consumidor comum ainda não sabe o que é "leasing", não o distingue dos contratos de financiamento, principalmente quando constam de suas cláusulas as figuras dos avalistas, da nota promissória e ainda uma substancial parcela a ser paga a título de entrada.

Para os empresários do setor o contrato de leasing (arrendamento mercantil) tem várias faces, e estas são apresentadas e defendidas conforme o interesse no momento.

Quando se trata de defender a inaplicabilidade do CDC nas relações jurídicas sob a forma de arrendamento mercantil os empresários do setor, defendem a tese de que arrendamento mercantil é simplesmente um "arrendamento" e não uma operação de compra e venda, porque esta, claro, somente ocorrerá ao fim do contrato e ainda se o arrendatário formalizar a opção de compra.

Sustentam ainda que também não se insere na concepção de financiamento, porque o bem não se transfere ao "arrendatário" (consumidor que contrata a aquisição de um determinado bem sob a forma jurídica de leasing) e, em qualquer hipótese, o bem sempre se manterá na propriedade da "arrendadora" (empresa que explora a atividade de leasing) até o final do contrato, para somente se efetivar a compra e venda depois de integralmente atendidas as condições pactuadas.

Entretanto, quando se trata de vender ou financiar bens, o "consumidor" é instado, sob todas as formas, pelas empresas vendedoras e pelas empresas arrendadoras, a adquirir um determinado bem sob os argumentos de vendas, de financiamentos, mas nunca explicitando que leasing é uma forma de arrendamento, ou mero "arrendamento".

Ora, em todas as campanhas publicitárias, os anúncios de rádio, televisão, jornais e revistas, falam da facilidade da compra via leasing e do financiamento via leasing. É certo que as "arrendadoras" deveriam até insurgir-se contra estes reclames que utilizam o instituto do leasing para vender e ou financiar um produto, e esclarecer de público, nos mesmos veículos de informação, que o leasing não é venda e não é também um financiamento, mas apenas uma modalidade de arrendamento.

Mas, pelo contrário, as arrendadoras deixam que os contratos de arrendamento sejam assinados nos próprios estabelecimentos dos "vendedores" dos bens e se calam, em notório conluio na preparação de uma verdadeira armadilha contra o consumidor.

Mas talvez as arrendadoras estejam claramente cientes de que podem anunciar financiamento ou venda porque a relação jurídica além de arrendamento também é de venda, previamente contratada, e de financiamento, previamente definido, inclusive quanto as taxas de juros, e, na verdade, apenas tentam se beneficiar de lacunas da lei e da natural variação das decisões judiciais.

Argumentam as empresas de Leasing que os contratos bancários, dentre eles o leasing, não podem ser examinados à luz do Código de Defesa do Consumidor pelo simples motivo de que não são derivados de relação de consumo.

Ora, a princípio deve ser observado que o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor define o que seja "FORNECEDOR" para os efeitos da lei, pouco importando se no vocabulário econômico ou no dicionário da língua portuguesa os sentidos possam ser diferentes.

Se o legislador quisesse deixar que as figuras jurídicas do "fornecedor", do "produto" ou "serviço" e do "consumidor", para os efeitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, ficassem ao sabor das interpretações de cada um dos interessados, claro, não os teria definido explicitamente.

E mais, é importante não abstrair que o legislador fez constar ainda algumas expressões que jogam por terra qualquer tese que venha oferecer caráter restritivo à letra da lei, assim como " serviço é qualquer atividade" "inclusive as de natureza bancária, de crédito e securitária" , senão vejamos:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

É certíssimo que em algumas circunstâncias pode inexistir relação de consumo em operações bancárias, de crédito ou de leasing , mas esta determinante não será encontrada no fato da atividade (bancária ou de arrendamento) e muito menos em face do "fornecedor", mas sim, óbvio, não haverá relação de consumo quando o cliente, o comprador, o correntista, o mutuário ou o arrendante não se enquadrar na figura legal de "consumidor".

Assim, quando o empréstimo é concedido pelo banco ao empresário, ou o leasing de veículos é contratado por uma locadora ou transportadora, faltará nesta relação negocial a figura do consumidor, porque lógico, para que exista um "consumidor" é necessário que o adquirente do produto ou serviço o utilize como destinatário final.

O CDC, em seu artigo 2º, define o "consumidor":

Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

A relação de consumo somente se estabelece quando o negócio jurídico contém a figura legal do "fornecedor", a figura legal do "produto" ou "serviço" e a figura do "consumidor", juntos.

É importante observar que o instituto do leasing (arrendamento mercantil) até o advento da resolução 2.309/96, era regido pela resolução 980/84 e só permitia a contratação do arrendamento mercantil (leasing) com bens que servissem à atividade econômica da arrendatária, logo, àquela época não existia relação de consumo porque inexistiam os destinatários finais.

A norma antiga, resolução 980/84, estabelecia:

Art. 14 - As entidades arrendadoras, em suas operações com pessoas físicas, devem observar, ainda, as seguintes condições:

a) somente podem ser objeto de arrendamento bens que sirvam à atividade econômica da arrendatária; e

b) devem se restringir:

I - Aos setores agropecuário, agroindustrial e demais atividades rurais;

II - às firmas individuais;

III - aos profissionais liberais e trabalhadores autônomos.

A norma, à época, fez constar esta restrição porque a desatenção com estes princípios poderia fazer com que os estímulos fiscais, a garantia do investimento e a ganância dos empresários do setor, pudessem desvirtuar o objetivo deste instituto jurídico e usar o leasing financeiro como mero substituto do financiamento disseminando-o no comércio de bens duráveis.

Já em l996, em face dos problemas de competição externa e dificuldade de mercado, o Banco Central do Brasil editou a resolução de nº 2.309/96, revogando as demais disposições administrativas a respeito de arrendamento mercantil e permitindo sua contratação com pessoas físicas ou jurídicas, sem qualquer restrição quando a necessidade do bem destinar-se à atividade econômica da arrendatária, resultando que o arrendamento também se estendeu aos consumidores.

Portanto, com a revogação da resolução 980/84 pela resolução 2.309/96, restou permitida a operação de arrendamento com o destinatário final dos serviços (crédito) e produto (bem arrendado), portanto, o autêntico e legítimo "consumidor" passou a ser o alvo primeiro das operações de arrendamento mercantil, desimportando se o arrendamento, com fins de aquisição, tivesse como objeto um bem de consumo destinado ao seu consumo, como no caso dos veículos de passeio.

Na verdade o instituto do leasing tem servido apenas para mascarar uma operação mercantil, com benefícios fiscais e excesso de garantia para o arrendador, mas, sem nenhuma contrapartida ou segurança para o arrendatário.

Enfim, entender que o leasing financeiro não se subordina às normas que regem as relações de consumo é negar sua própria essência e sentido, é divorciar-se da realidade e escudar-se na cômoda proclamação dogmática de que arrendamento mercantil é "arrendamento" e que a relação jurídica dele decorrente não é de consumo e que o Código de Defesa do Consumidor não o atinge e ... ponto final.


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